Voto a voto, José Fernandes Ferreira, conhecido como Iran, acompanhou a apuração na casa da vizinha, pelo computador. Natural de Cariús, dono de comércio e candidato a prefeito pela primeira vez na cidade do Sul do Ceará, disse que durante a apuração pedia calma à família e aos amigos. Quando todas as urnas foram computadas e o resultado foi um empate - ele e o principal adversário, Nizo (PMB), tiveram, cada um, 5.811 votos - mas Iran respirou aliviado. “Sabia que o desempate era pela idade. E já sabia que era mais velho que ele. A gente foi criado junto”, conta.
O caso de Cariús, de 18 mil habitantes e distante 418 quilômetros de Fortaleza, não é inédito nas eleições brasileiras, mas foi o único no pleito de 2016. Com o empate, a eleição foi decidida pelo critério "idade". O artigo 110 do Código Eleitoral diz: "em caso de empate, haver-se-á por eleito o candidato mais idoso". Iran, de 46 anos, desbancou Nizo, de 41.
"Não dá nem pra explicar a sensação que foi (ao fim da apuração). Quem tava mais tranquilo era eu. Era todo mundo chorando, desesperado. Tinha uma média de 500 pessoas na casa, com a porta aberta, gente na rua", lembra.
Da roça ao comércio
Nascido no Sítio Cacimba, no distrito de São Sebastião, Iran conta que, à época, só era possível estudar até a quarta série do ensino fundamental. Como os pais se separaram cedo, ele e os cinco irmãos foram criados pela mãe, os tios e os avós. Na roça, plantaram milho, arroz e feijão.
Com 18 anos, pelas dificuldades, foi trabalhar no Rio de Janeiro como ajudante de cozinha, balconista, pizzaiolo e garçom em restaurante, até voltar ao Ceará e, em seguida, trabalhar em Santos (SP). "Era dia e noite numa pizzaria, para ajudar minha mãe e ter dois salários mínimos; à noite, no balcão. De dia, fazia faxina".
De volta ao Ceará, casou aos 23 com a vizinha de infância, Auxiliadora Fernandes, 43, com quem está junto até hoje e tem três filhos. Juntos, montaram uma pequena venda. "Aí fomos começando, construindo", recorda. Hoje, antes de ser o novo prefeito da cidade, se reconhece comerciante - "um dos maiores". A ideia de ser prefeito partiu daí.
"Nunca tive parente político, mas já fazia parte de algumas campanhas, há três mandatos, ajudando candidato a prefeito. Cariús é uma cidade pequena, cidade de família de amigos. Quando fomos pensar em um candidato, tinha vários nomes, e surgiu o meu. Minha esposa não queria concordar. Mas a gente tem contato com todo mundo pelo comércio. Tudo que temos hoje quem deu foi Cariús. Era hora de retribuir".
Iran recorda que ele e o principal adversário na campanha, o deputado estadual Nizo Costa, foram amigos na infância. "Depois, por causa da política, a gente foi se afastando", descreve. Para a disputa, o comerciante teve o apoio do atual prefeito João Gilvan de Oliveira (PPL).
Projetos e promessas
Para o mandato, Iran projeta uma atenção maior para três áreas: saúde, educação e esporte. A luta deve ser por um hospital para o município, investir mais nas escolas, salário dos professores e transporte escolar.
"Sobre esporte, aqui não temos nenhuma quadra coberta, nenhum campo. Poucos distritos tem campo de poeira. Aqui morrem mais jovens que idosos, por conta das bebidas e das drogas", critica. "Eles deixam de praticar esporte e vão pra bares. Antes o transporte era bicicleta, hoje é moto. Todo jovem tem moto e bebe. Muitos pais perderam os filhos por causa disso", lamenta.
Antes de assumir o cargo, o plano, pelo menos para os próximos dias, é continuar a comemorar e agradecer, ainda mais. Na manhã desta segunda-feira (3), os fogos de artifício lançados na porta de casa continuavam a comemoração. "Pense num homem do coração de ferro. Foi dolorido, no voto a voto. Quando saiu o resultado, aí todo mundo correu pro abraço. A vitória foi acirrada, tem sabor de mel", diz a mulher.
Fonte: G1 CE