De vestidinho branco, sandália rasteirinha, cabelo preso e uma bolsa de palha na mão, ela chega para a entrevista. Ela fala rápido, e muito. Gesticula o tempo todo, faz caras e bocas, expressa no olhar o que está pensando. Durante pouco mais de uma hora, a atriz Titina Medeiros falou dos seus 15 anos de carreira como atriz de teatro e do desafio de encarar sua primeira personagem na televisão. A atriz potiguar nascida em Acari estreia nesta segunda-feira, 16, na televisão, interpretando a empregada doméstica Socorro, na novela Cheias de Charme, da Rede Globo. Trabalhar na TV nunca foi um sonho de Titina, mas ela aceitou o convite e se entregou de corpo e alma ao trabalho. "Socorro é divertida, nordestina, é uma personagem muito próxima de mim. Eu estou gostando muito desse trabalho", conta.
O convite para trabalhar na TV veio no ano passado quando ela participava do Festival de Teatro de Curitiba com o grupo Clowns de Shakespeare, onde interpretava a rainha Elizabeth no espetáculo Sua Incelênça, Ricardo III, e foi vista por produtores da Globo. "Uns 20 dias depois nós recebemos uma mensagem de um produtor dizendo que queria fazer um teste com algumas pessoas do grupo". E eles foram. Em setembro fizeram o teste e, em outubro, Titina recebeu a ligação. "No início foi muito assustador porque o grupo tem um espetáculo para montar este ano, Hamlet, que eu quero muito fazer, com um diretor de São Paulo chamado Marco Aurélio, que o grupo (Clowns de Shakespeare) sonha muito e é uma oportunidade única. E quando a menina ligou e disse que não dava para conciliar com o teatro eu pensei bastante, levei para o grupo, discuti com o grupo, porque tinha que ser muito bem avaliado", conta. O grupo apoiou a ida de Titina, adiou o início da montagem de Hamlet para setembro e ela aceitou o convite.
Gravações
As gravações começaram ao fim de janeiro e, agora, Titina se divide entre Natal e Rio de Janeiro. As diferenças do trabalho na TV e no teatro já começam a ser percebidas pela atriz, mas ela não teme o desafio. "É tudo muito igual e muito diferente, é muito louco. O jogo do ator quando ele entra no set, olha no olho e brinca, isso é preservado. Para mim, não vejo diferença na hora do jogo - de estar jogando com os meus amigos do Clowns ou com o pessoal da TV. O que muda é a linguagem. Essa linguagem é uma coisa que eu tenho penado, o que é normal, porque eu não vivo essa linguagem. E é muito louco porque na TV não há espaço para ensaio, a gente ensaia na frente das pessoas. A novela é uma obra aberta mesmo, tanto a sua interpretação, como para onde a história vai, o público também vai ditanto, é bem bacana. Acho que eu ainda não tinha sacado que a novela tem essa abertura. Lá dentro é que eu percebo isso. Mas tem coisas técnicas que são bem diferentes, eu não tenho ainda o tempo do corte, por exemplo. Eu entro no jogo para começar e terminar uma cena e não necessariamente a cena precisa terminar naquele momento. Mas isso não é um problema".
Personagem
A personagem - Socorro - é uma piauiense de Sobradinho, que vai para o Rio de Janeiro morar com o irmão. "Futriqueira, entrona, truquenta e perigosa" são os adjetivos usados para descrever a empregada doméstiva que, no serviço, "é meio porca e preguiçosa". Titina compara Socorro a um saci pererê. "Socorro é uma doida, a minha metáfora para ela é que ela é um saci pererê: aquela figura mitológica, que chega em forma de redemoinho, ele não é tão bonzinho, mas não é mal também, e vem para desestruturar, eu acho que Socorro tem meio esse papel na trama", conta.
Ela não parece deslumbrada com o que está vivendo Rio e com o que ainda está por vir na carreira. Com os pés no chão, Titina encara o novo desafio apenas como mais um trabalho. "Eu não tenho condições. Aos 35 anos de idade, seria muita ingenuidade da minha parte acreditar que eu cheguei ao topo. Eu não cheguei ao topo de lugar nenhum, é um trabalho legal, é massa, mas a vida continua. Meu contrato é até terminar essa novela, na real é o que eu tenho, então se eu não estiver com os pés no chão, trabalhando, não tem mais nada".
Já são 20 anos de carreira no teatro
A história de Titina com o teatro começou em 1992, quando ela foi pela primeira vez assistir a um espetáculo, Pranto de Maria Parda, com a atriz portuguesa Maria do Céu Guerra. "Quando saí de lá, eu sabia que era aquilo que eu queria fazer da vida". Ela então começou a procurar no jornal oficinas de teatro em Natal e foi estudar com Jesiel Figueiredo. A primeira peça encenada por ela foi A Bela Adormecida, em 1993. O ano seguinte foi de dedicação ao vestibular para o curso de jornalismo. Em 1995, Titina conheceu o Grupo Tambor de Teatro onde trabalhou com João Marcelino, a quem ela se refere como "grande mestre".
"Como não amar João Marcelino? João me ensinou tudo: como amar o teatro, como amar a profissão. Eu acho que João me deu o maior presente que é o amor por uma profissão. Mesmo que eu não esteja mais trabalhando com ele hoje porque os caminhos se distanciaram, eu tenho ele como meu grande mestre Ele me ensinou a respeitar o teatro, a amar o teatro como uma profissão, como uma atividade possível".
A peça O Príncipe do Barro Branco, encenada em 1997, é considerada por Titina o seu primeiro trabalho profissional. "A gente demorou um ano e meio para montar o espetáculo. Foi um ano e meio de escola, não foi só montar o espetáculo, foi aprendizado da linguagem, foi muito especial". Em 1998 o grupo Tambor acabou e Titina desenvolveu diversos trabalhos com novas parcerias. "Eu fiquei um tempo meio perdida no sentido de que eu comecei no teatro de grupo e de repente me vi sem grupo, mas não deixei de trabalhar. Fazia todos os autos, esquetes, trabalhei muito com Isaque Galvão, com Nara Kelly. Essa foi uma fase legal porque como eu fiquei solta eu comecei a trabalhar com muita gente e isso me fez ter relações com os profissionais de teatro daqui de vários segmentos, grupos". Em 2003 ela começou a trabalhar com o Clowns de Shakespeare onde está até hoje. "E pretendo me aquietar por aqui".
Futuro
E se tudo der certo na TV e outros convites surgirem? "Eu nunca parei para pensar nisso. Eu estou nesse trabalho, estou chegando agora, eu não tenho muita expectativa não. É uma responsabilidade muito grande lidar com a expectativa das pessoas. Eu já sou tão feliz, eu digo isso com a maior tranquilidade, do fundo do meu coração. Eu quero viver esse momento, eu entro pensando no agora. Depois eu tenho um Hamlet para montar, eu tenho um grupo para trabalhar, parceiros. O universo é tão generoso que me deu esses amigos, essa estrutura, eu acho que o artista, quando ele tem essa estrutura para trabalhar, tem tudo".
Fonte: http://www.dnonline.com.br